É preciso realmente avaliar?
Certamente um grupo de alunos meus responderá que não. Se considerarmos as motivações e justificativas dadas, perceberemos que não são tão irrelevantes assim.
Para mim o verbo avaliar pertence a uma classe que chamo de “Ação-Conceito“. Não se espante com esta definição sintático-neológica e nem a procure nos livros de gramática, pois não vai encontrá-la. Trata-se de uma forma particular de ambientar a situação verbal ao contexto humano. Considero que a ação de avaliar e o conceito “avaliar” provocam uma dualidade sutil e parcialmente subjetiva em função da convergência da sua compreensão em situações essencialmente antagônicas: sim ou não, certo ou errado, pode ou não pode, deve ou não deve, verdadeiro ou falso. (Sinto-me compelido a dizer que, sobre a análise de situações duais, do tipo verdadeiro ou falso, encarregou-se Aristóteles de iniciar a construção de uma teoria em que pudéssemos – com um número finito de técnicas – demonstrar para confirmar ou refutar conjuntos de sentenças tautológicas ou não. Nessas sentenças o conteúdo não é considerado. Esta teoria é chamada de Lógica Matemática).
Aqui me restrinjo à conotação educacional do verbo: a partir de parâmetros – em geral, preestabelecidos – conhecidos e/ou estudados, saber se um indivíduo está apto e/ou possui condições física e/ou intelectuais de prosseguir dentro de um ou mais processos de aprendizagem, quaisquer que sejam esses processos e os níveis dessa aprendizagem. Pois, segundo o Aurélio, AVALIAR pode ser:
Verbo Transitivo Direto
1. Determinar a valia ou o valor de:
2. Apreciar ou estimar o merecimento de:
3. Calcular, computar:
4. Fazer idéia de; supor:
5. Reconhecer a grandeza, a intensidade, a força de:
6. Fazer a avaliação de:
Verbo Transitivo Direto e Indireto
7. Determinar a valia ou o valor, o preço, o merecimento, etc.; calcular, estimar:
Verbo Transitivo Indireto
8. Fazer a apreciação; ajuizar:
Voz Passiva
9. Reputar-se, considerar-se:
A ação de avaliar é inerente ao ser, seja por experiência, instinto ou raciocínio. Um animal selvagem, por exemplo, tem suas atitudes coordenadas pelo instinto. Na caça, na procriação, criação e cuidado com os filhotes até que esses atinjam certa idade e possam viver sem a dependência materna. E observe que esse tempo é na verdade a maturação dos instintos, para que se possa avaliar as condições ideais para o acasalamento, para buscar o alimento e para se manter vivo e recomeçar o ciclo. Em cada uma dessas situações, o animal avalia sem necessariamente conhecer o conceito de “avaliar“. Mas ele o faz.
O Conceito “avaliar“, como citei acima, ao longo do processo educacional, foi reduzido a uma situação dual do tipo certo ou errado. O conceito “avaliar” carrega em sua essência a representação/conotação cognitiva de objetos e/ou idéias geradas através de situações (em geral, uma seqüência de acontecimentos relevantes), onde as características da aprendizagem do indivíduo – sujeito ativo ou passivo no processo – desenvolve a sua capacidade de formular, definir, caracterizar, conjecturar e julgar, culminando em uma tomada de decisão que, inserido em determinada circunstância – os contextos particulares, situações específicas no aprendizado humano – julga-se ser a mais correta, e não a correta.
Isto fica muito claro quando bebemos na fonte de certos pensadores (pedagógicos ou não) como Maria Augusta Sanches Rossini, Tânia Zagury, Içami Tiba entre tantos outros conhecidos e não tão contemporâneos assim como Piaget e Vigostsky, onde percebemos que é indissociável o trio educação-aprendizado-ação. E não estou fazendo simplesmente apologia às teorias não aplicadas por falta de capacitação e/ou comprometimento dos profissionais da área, refiro-me à banalidade com que tratamos a ação de avaliar quando nos conscientizamos do conceito “avaliar“. Essa degeneração conceitual promoveu um descuido no trato humano e no crédito das suas inteligências e competências múltiplas e provocou, muitas vezes, danos irreparáveis. Mesmo com os PCN, a transversalidade disciplinar, a nova LDB, não conseguimos, dentro deste sistema educacional arcaico – onde o produto final sempre é a formação de mão de obra específica em detrimento de indivíduos críticos o suficiente para pensar e reformular o sistema produtivo brasileiro – retornar ao amplo significado de “avaliar“. Falta-nos estrutura, capacitação, verbas, e tantas outras coisas que poderia citar, mas uma coisa, quando falta ou se falta, deve-se pura e simplesmente ao profissional: sua motivação pessoal em estar comprometido verdadeiramente com o aprendizado, e portanto, imparcial e indiferente – até certo ponto, claro – com essas questões que impedem a melhoria do processo avaliativo.
Se o comprometimento é fundamental, a criatividade e o respeito à capacidade individual humana são os desmembramentos naturais do processo avaliativo por parte do profissional. É condição sine qua non a valorização das (outras) habilidades do indivíduo avaliado, bem como suas experiências pregressas. A avaliação formal é necessária enquanto analisamos uma das partes de todo o processo avaliativo: a compreensão e retenção teórica e suas aplicações imediatas. Mas a questão maior sempre será: o que fazer com toda essa informação? E é justamente nesse ponto em que a ausência do conceito “avaliar” se faz mais presente. A pergunta é velha conhecida de muitos professores, principalmente de matemática. Não é raro questionamentos com indagações incisivas como
“Mas professor, por que eu preciso saber isso?“
A resposta não é simples, a pergunta é lícita e cabe ao profissional ter o bom senso de trazer à tona a responsabilidade do indivíduo para esse questionamento. Não existe uma resposta somente. Uma delas acredito eu, seria
“Depende. Para que você acha que serve isso?“
Obviamente, ter conhecimento e domínio sobre o quê se “ensina“ é fundamental para se manter no mercado de trabalho. Mas ter conhecimento de ramos onde existirão respostas para aquele tipo de pergunta, é valorizar o aprendizado e o questionamento do indivíduo, além de demonstrar capacidade inter-relacional e competência técnica.
O lado negro de quem avalia é a convergência da figura do profissional, da pessoa do profissional com o tipo de conteúdo que se avalia. É comum eu escutar frases do tipo
“Detesto aquele professor!“
“Aquele” professor sou eu.
Esse mimetismo forçado entre o que não se gosta (ou não se deseja) e a figura de quem o impõe (de certa forma é isso que acontece, não é?) torna-se um dos piores inimigos do processo educacional e, portanto, do processo avaliativo. O sujeito desse processo nunca entenderá (e desejará) a questão ser “avaliado“. Para ele, o que se faz é classificá-lo como um produto, através de um rótulo: você sabe ou não sabe, portanto você continua ou não. Isso é um crime contra a auto-estima do ser humano! Não nego que é um mal necessário em várias situações, mas ainda assim, podemos contornar tais situações de maneiras bem mais criativas do que repassando toda a responsabilidade para o sujeito, enquanto a responsabilidade é, em grande parte, nossa, agentes promotores do processo avaliativo.
A maturidade do indivíduo tornou-se uma variável de grande importância nesse processo e, como tal, merece bem mais atenção e respeito. No ensino seriado, classifica-se a condição cognitiva individual para o aprendizado pela faixa etária. Ora, todos nós conhecemos ou temos algum caso que poderíamos citar sobre isso. Minha fértil e produtiva experiência em EAD (Educação à Distância), permitiu que conjecturasse mais a respeito do assunto, inevitavelmente concluindo sempre a mesma coisa: a maturidade do indivíduo tornou-se mais importante do que sua classificação pseudo-temporal para aprender.
Indivíduos de diferentes idades possuem diferentes capacidades cognitivas, assim como experiências distintas e saberes múltiplos. Mas não nos utilizamos disso enquanto profissionais e referência para eles. Então, como esperar que um processo avaliativo seja eficaz e desperte no sujeito a compreensão e a vontade de ser avaliado?
Atualmente, eu foco boa parte dos meus esforços e habilidades no crescimento da maturidade desse indivíduo e no desenvolvimento da sua responsabilidade dentro de todo o processo educacional/instrucional e avaliativo. Até o presente momento tem se mostrado uma alternativa humana bem mais digna.
Digo por experiência própria: É difícil, mas não é impossível. Demora, mas apresenta excelentes resultados. E no final, todos saem ganhando.
Um forte abraço a todos.
Marco Antonio.